CINCO CANÇÕES PARA UMA NOITE MÁGICA
Dentro da
noite mágica ainda pode haver a ferocidade da lua, a rir, em prata antiga, e
lavrada, batendo o tempo das ondas; e da
lua ainda o engenho cruel de criar, entre mar e céus nocturnos, uma outra
espécie apócrifa de dia, uma qualidade subalterna de clareza; ou um espanto
maldoso; o nobre som de um piano adulto; uma fosforescência vegetal. O baile.
O imbondeiro e o panda e o
pinguim bradam de inocência. E o cipreste e a coruja. E a águia, o golfinho, o
cavalo. Todas as plantas. Todos os animais que os amantes desejariam ser
perante a turbulência da noite, abraçados na praia, a oferecer os corpos ao
sacrifício do mar, à voracidade obscena das palavras.
Os
amantes caíram sobre a praia. A noite leu-lhes os corpos bizantinos como
resíduos móveis produzidos pelo mar.
A noite fez descer sobre eles
o fulgor de uma princesa devassa que desenhou neles o destino, as lâminas, o
protesto, a lei, um brilho de recusa.
Foi nos corpos em queda sobre a praia que a noite edificou o lúcido mausoléu onde se guarda o nexo
imbecil de todas as coisas.
A noite montou depois o seu
popular palanque, e a lua iluminou e presidiu ao baile, e as loiras decrépitas
prometeram, sequiosas, mamar o grande, pressuroso e pertinaz sexo de um negro.
A música americana!
O violento cego vocalista!
No mar apareciam os sinais de
todos os navios.
Nos corpos bizantinos que
caíram na praia entrou o leão negro do êxtase momentâneo, o conhecimento do
mal, o triste dom da adivinhação.
É o vento que cobre a memória.
Não vês esses
pilares desvendados, essas escavações?
Não vês essas
cidades, esses banhos, esses teatros romanos, esses poços árabes, essas pedras
fenícias, todas essas ruínas que os arqueólogos pensam inventar?
Alguém
enterrou essas ruínas. Quem? Ninguém. Nenhum homem, nenhum músico, nenhum deus.
Cobriram-se com o manto do tempo e dormiram.
Foi o vento
que baixou e levantou sobre elas o tempo e a poeira.
É o vento que
nos cobre a memória.
Os
amantes comeram os pequenos peixes assados na fogueira da praia. Ouviram o
último e rápido grito vermelho do dia. E abandonaram as vestes. Finalmente. E
romperam enfim as grinaldas. E arrojaram para longe as máscaras perfumadas da
incerta virtude e da indiferença. Com a dextra repudiaram o festim da razão e
deitaram-se na cama de águas quentes e revoltas. E a sombra dos seus corpos não
deixou de ser um risco razoável traçado no esplendor das idades. A lua
transfigurara-se para eles em animal sagrado, devolvendo-lhes a visão de um
ponto instável no horizonte. Lá permaneciam as torres em que a luz se
inanimava; e lá estavam as mil barcas secretas e os mil loiros e sensuais
pescadores.
Era a hora em que os
espectros regressavam da batalha.
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