domingo, 28 de julho de 2013

       CINCO CANÇÕES PARA UMA NOITE MÁGICA
  


         Dentro da noite mágica ainda pode haver a ferocidade da lua, a rir, em prata antiga, e lavrada,  batendo o tempo das ondas; e da lua ainda o engenho cruel de criar, entre mar e céus nocturnos, uma outra espécie apócrifa de dia, uma qualidade subalterna de clareza; ou um espanto maldoso; o nobre som de um piano adulto; uma fosforescência vegetal. O baile.




O imbondeiro e o panda e o pinguim bradam de inocência. E o cipreste e a coruja. E a águia, o golfinho, o cavalo. Todas as plantas. Todos os animais que os amantes desejariam ser perante a turbulência da noite, abraçados na praia, a oferecer os corpos ao sacrifício do mar, à voracidade obscena das palavras.




         Os amantes caíram sobre a praia. A noite leu-lhes os corpos bizantinos como resíduos móveis produzidos pelo mar. 
A noite fez descer sobre eles o fulgor de uma princesa devassa que desenhou neles o destino, as lâminas, o protesto, a lei, um brilho de recusa.
Foi nos corpos em queda sobre a praia que a noite edificou o lúcido mausoléu onde se guarda o nexo imbecil de todas as coisas.
A noite montou depois o seu popular palanque, e a lua iluminou e presidiu ao baile, e as loiras decrépitas prometeram, sequiosas, mamar o grande, pressuroso e pertinaz sexo de um negro.
A música americana!
O violento cego vocalista!
No mar apareciam os sinais de todos os navios.
Nos corpos bizantinos que caíram na praia entrou o leão negro do êxtase momentâneo, o conhecimento do mal, o triste dom da adivinhação.




  É o vento que cobre a memória.
      Não vês esses pilares desvendados, essas escavações?
      Não vês essas cidades, esses banhos, esses teatros romanos, esses poços árabes, essas pedras fenícias, todas essas ruínas que os arqueólogos pensam inventar?
      Alguém enterrou essas ruínas. Quem? Ninguém. Nenhum homem, nenhum músico, nenhum deus. Cobriram-se com o manto do tempo e dormiram.
      Foi o vento que baixou e levantou sobre elas o tempo e a poeira.
      É o vento que nos cobre a memória.



         Os amantes comeram os pequenos peixes assados na fogueira da praia. Ouviram o último e rápido grito vermelho do dia. E abandonaram as vestes. Finalmente. E romperam enfim as grinaldas. E arrojaram para longe as máscaras perfumadas da incerta virtude e da indiferença. Com a dextra repudiaram o festim da razão e deitaram-se na cama de águas quentes e revoltas. E a sombra dos seus corpos não deixou de ser um risco razoável traçado no esplendor das idades. A lua transfigurara-se para eles em animal sagrado, devolvendo-lhes a visão de um ponto instável no horizonte. Lá permaneciam as torres em que a luz se inanimava; e lá estavam as mil barcas secretas e os mil loiros e sensuais pescadores.
Era a hora em que os espectros regressavam da batalha.